O FALSO DISCURSO NACIONALISTA NA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA, SEGUNDO FLÁVIO KOTHE
Antonio Carlos Araújo da Silva¹ Andréa de Souza Rosa
Almecília Paes Moraes Dantas
Cecília Navegante dos Santos
Gislene Rose Souza de Oliveira
Universidade Federal do Pará
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo mostrar que a carta de Pero Vaz de Caminha, considerada como literatura de informação,
Introdução
A Carta a El-rei Dom Manuel, monarca português, é um manuscrito com vinte e oito páginas, sendo vinte e sete de textos e um (1) de endereço. Redigida por Pero Vaz de Caminha, escrivão-mor da esquadra liderada por Pedro Álvares Cabral, quando do descobrimento oficial do Brasil, em 1500.
Em tom narrativo, Caminha conta detalhadamente a viagem. Começa com a saída do porto de Belém, Portugal, no dia 9 de março de 1500; continua com a passagem pelas Ilhas Canalhas e São Nicolau de Cabo Verde, os infindáveis dias de navegação até 22 de abril de 1500, quando avistaram a terra. A partir daí começam as impressões sobre a terra encontrada, sua natureza e sua gente, o exótico e o diferente.
Esta Carta é o primeiro texto escrito no Brasil, tinha por finalidade narrar e descrever os primeiros contatos com a terra brasileira e seus nativos, informando tudo o que pudesse interessar ao rei de Portugal, Como podemos observar nos seguintes trechos da Carta de Pero Vaz de Caminha:
“Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até a outra ponta, que vai em direção ao norte, de que nós deste porto tivemos visão, será tamanha que haverá bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Traz ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, algumas vermelhas, outras brancas; e a terra por cima toda plana e muito cheia de grandes arvoredos.”
“A feição deles é serem pardos, quase avermelhados, de rostos regulares e narizes bem feitos; andam nus sem nenhuma cobertura; nem se importam de cobrir nenhuma coisa, nem de mostrar suas vergonhas.”
Esse caráter descritivo e principalmente informativo que insere a Carta de Caminha, como um dos textos da literatura de informação. A literatura informativa, também conhecida como literatura dos viajantes ou dos cronistas, formada por cartas de viagem, tratados descritivos e diários de navegação, a mesma era voltada em fazer um levantamento acerca do novo mundo descoberto.
Embora a Carta guarde pouco valor literário, sua importância reside, principalmente, no significado que tem como documento histórico, ora como testemunha do espírito aventureiro da expansão marítima e comercial dos séculos XV e XVI, ora como registro do choque cultural entre colonizadores e colonizados.
A carta e os demais textos produzidos no início da colonização enalteciam, muitas vezes, sem um verdadeiro espírito de análise. Esse ufanismo em relação ao Brasil tem contribuído até hoje, para equívocos prejudiciais que atrasaram nosso desenvolvimento. O nacionalismo brasileiro vem sendo trabalhado e discutido sob várias vertentes. Alguns teóricos literários discutem o nacionalismo na carta de Pero Vaz de Caminha, como sendo temas para discussões profundas. A abordagem se converte em opiniões divergentes, como a do pesquisador literário Flávio Kothe em seu livro “Cânone Colonial”, onde ele sustenta a tese de que a Carta não condiciona um suposto nacionalismo, como realmente afirma Kothe:
“Como se pode querer determinar a natureza e o percurso básico de toda uma literatura ‘nacional’ por meio de um texto que, sendo correspondência burocrática oficial do Estado português, se quer pertence ao Brasil e propriamente literatura?” (KOTHE,1997,p.199).
Contrapondo desta forma opiniões de alguns estudiosos, como Antônio Cândido. Para Cândido, a Carta daria um ponta pé inicial no que se poderia denominar literatura nacional, pois este documento consegue abarcar algumas características locais e despontar certa exaltação a imagem de nosso território, embora essas manifestações fossem rarefeitas e denotassem apenas o sentido informativo:
No sentido amplo, houve literatura entre nós desde o século XVI, ralas e esparsas manifestações sem ressonância, mas que estabelecem um começo e marcam posições para o futuro. (CANDIDO, 1975,p.16).
Estas opiniões nos colocam na seguinte problemática: a Carta teria ou não traços pertinentes de um possível nacionalismo em seu estado inicial? Tal questionamento abre portas para diversas opiniões continuadoras e descontinuadoras, as quais dariam margens para diversas abordagens.
É interessante a perspectiva de Kothe, acerca da Carta, assinalando que a afirmação contida no documento em questão perpassa por todo um contexto de cerimonialismo de entrega de terras, ou seja, um mero documento jurídico português. Isto implica em dizer que a própria idéia de Descobrimento do Brasil é questionável, não passando de uma grande encenação contextual de uma peça teatral, em um sentido totalmente ficcional adaptado para uma realidade que abrangia todo um contexto de interesse, como o próprio autor sinaliza:
Ainda que seja estilizada,a Carta não tinha intenção de ser um texto ficcional(ela é ficção, mas contra a sua intencionalidade). Mesmo assim, ela é vista como texto inaugural de uma literatura, que nos três séculos seguintes continuou inexistente. O Descobrimento do Brasil pela expedição de Cabral foi como que uma encenação teatral: ao descobrir o já descoberto, fazia com que a ficção fosse realidade, e, assim, a realidade tornava-se ficção.(KOTHE,1997,p.204).
Partindo desse ponto discute-se, a questão do nacionalismo, o qual deixa margens para discussões, posto que a Carta fosse apenas um mascaramento para apropriação de um território já ocupado. Este fato sem sombra de dúvida põe em xeque a idéia de alguns autores que sustentam a posição da existência de um discurso nacionalista na Carta de Pero Vaz de Caminha. Neste prisma Flávio Kothe diz que “A literatura brasileira serve para definir uma ‘nacionalidade’ que não corresponde, porém, à formação étnica e cultural do país” (KOTHE, 1997,p.201).
Observa-se neste contexto que a visão portuguesa é privilegiada no cenário da discussão literária, no que tange o apontamento da Carta, como sendo um marco da literatura brasileira. No entanto, como descartar o fato de que outras literaturas de cunho informativo, elaborados no período colonial com a mesma intencionalidade da Carta de Caminha, foram consideradas como não pertencentes à literatura brasileira nem se quer consideradas como documentos literários.
REFERÊNCIAS
KOTHE, Flávio R. O cânone imperial. Brasília: UNB, 2000.
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